Uma audiência pública, em teoria, tem como principais funções a melhora do espaço participativo nas decisões públicas e a legitimação dos processos decisórios através da inclusão da sociedade. É uma forma de consulta que quando feita com participação equilibrada dos atores envolvidos o problema em questão é apresentado e as aspirações da sociedade a respeito do tema são coletadas, fornecendo subsídio à tomada de decisão.
No entanto, apesar de suas funções pautarem-se pela melhora da participação e da legitimação de decisões, na realidade, o que se tem visto não corresponde com o cerne do mecanismo, como no caso da audiência da semana passada (03/02) em Ribeirão Preto sobre as alterações do código florestal, onde o processo serviu apenas para legitimar decisões tomadas previamente e demonstrar que em momento algum os políticos responsáveis pela audiência tinham interesse em contemplar as aspirações de diferentes setores da sociedade.
Este episódio de imposição política e desrespeito a sociedade brasileira teve em seu elenco, como atores principais, os representantes políticos da Comissão Especial da Agricultura da Câmara dos Deputados, que durante toda a audiência disseminaram discursos escusos e sem qualquer comprometimento com embasamento técnico, servindo unicamente para gerar conflitos entre os atores envolvidos e persuadi-los que alterações, e até a revogação, das legislações ambientais brasileiras são necessárias.
Como suporte a essas investidas de desmantelamento das legislações brasileiras, em todos os momentos que se tentou tratar pontos polêmicos, foram feitas intervenções através de argumentações mal esclarecidas por aqueles que defendem um agronegócio a qualquer custo (ambientais e sociais). Sendo que em muitos momentos foram utilizados dados do estudo “Alcance territorial da Legislação ambiental e indigenista” realizado pelo ex-chefe-geral da Empraba Monitoramento por Satélite Evaristo Eduardo de Miranda. Esses dados são contestados por muitos pesquisadores por fatores que vão desde a falta de clareza da metodologia utilizada até a pouca confiabilidade dos dados referente à realidade do uso e ocupação do território do país. Assim, o que se viu durante a audiência foi uma manipulação de dados no sentido de tentar comprovar a necessidade de alterações na legislação florestal, buscando demonstrar erroneamente que, por exemplo, a aplicação do código no estado de São Paulo resultaria em muitos pequenos fragmentos de menos de sete hectares que não teriam utilidade para conservação.
Seria essencial que o relator do projeto, o Deputado Aldo Rebelo, realmente ouvisse e levasse em consideração o discurso de pessoas como a promotora do Ministério Público Cristina Godoy de Araújo Freitas, mas ao contrário o MP foi acusado de ser “braço jurídico” das ONGs ambientalistas. Também deveria considerar a posição dos trabalhadores rurais, representado por meio da Feraesp (Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo). Esta federação em conjunto com mais de 120 entidades apresentaram um manifesto denominado Carta de Ribeirão, a favor da manutenção do código florestal. Outra argumentação muito importante a ser considerada no relatório final foi a do professor da ESALQ/USP Paulo Kageyama, um pesquisador altamente qualificado que mostrou a importância das reservas legais e áreas de preservação permanente (APPs) com bases técnicas sólidas, porém, no momento de sua apresentação muito dos ruralistas e representantes do setor agrícola demonstraram total descaso através de conversas paralelas e se ausentando do local, mostrando que quando o assunto saí da politicagem e enfrenta bases técnicas, estes perdem o interesse.
Será que é muito difícil compreender que a função da conservação de florestas, em forma de reservas legais e APPs, não é prejudicar a produção agrícola? Essas áreas garantem a manutenção de serviços ecológicos como polinização, dispersão de sementes, manutenção da qualidade da água, proteção de solos, oferecerem abrigo e alimento a fauna. Além de benefícios ao homem como: melhorias das condições climáticas, pelo menos em nível local, melhoria da qualidade do ar e auxilio no controle biológico de pragas e doenças que atacam culturas agrícolas.
O que foi visto durante a audiência “dita pública” é que faltaram bons argumentos da parte dos que comandavam o auditório, assim, estes apelaram para o velho discurso do "bom senso" versus "radicalismo". Em que o "bom senso" sempre estava do lado da maioria, que teve muito, ou quase todo, espaço para discursar, e os estudantes e representantes de organizações, instituições e movimentos sociais foram taxados de "radicais" pelos senhores do "bom-senso" que convocaram a audiência. Mas poucas pessoas atentaram que o que está ocorrendo é justamente o contrário: o bom senso está do lado de quem defende a agricultura com respeito ao meio ambiente e ao trabalhador, e radicais são aqueles que tentam impor a força e a qualquer custo (social e ambiental) o interesse da minoria do país, que é representada pelos grandes proprietários rurais.
Sem dúvidas, há necessidade de um aprofundamento do debate através da participação ampla e efetiva dos diferentes atores sociais, para que desta forma se reconheça e considere não somente as premissas do setor agropecuário, como vem ocorrendo no processo atual, o qual mais parece um circo armado com intuito de dar credibilidade para a posição dessa parte minoritária da sociedade (não necessariamente do congresso) que se preocupa apenas com os seus lucros e em nenhum momento com os seus deveres para com a sociedade em geral.
* Pesquisadores do Núcleo de Estudos em Política Ambiental (NEPA) da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC/USP).
Fonte: Carolina de Oliveira Jordão
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