Artigo do Presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo, ACIESP, Marcos Buckeridge, para o Jornal da Ciência
O mundo, ou pelo menos seus governos, levou décadas para aceitar que as mudanças climáticas globais são um fato e que seus efeitos colocam em risco a todos nós. Como fazem as pessoas no âmbito individual, quando têm que mudar hábitos arraigados, não o fazem até que sejam realmente forçadas a isto. Por isto foi só no dia 12 de dezembro de 2015 que um acordo coletivo foi pela primeira vez assinado no sentido de tentar mudar as coisas no planeta.
O acordo firmado na COP21 é sem dúvida um grande passo no sentido de determos os efeitos mais drásticos do clima. Foi o melhor que conseguimos até agora. Mas é preciso lembrar que uma coisa é assinar um acordo, outra é cumpri-lo. A tendência é sempre colocar a dimensão individual em primeiro lugar, principalmente quando uma crise neste nível se estabelece. É como aquele regime que sempre começa na segunda-feira. Nós firmamos um acordo conosco de que vamos mudar, mas quando chega a hora…..!! Aí, as dificuldades começam e raramente conseguimos implementar as medidas que decidimos.
A ideia de que cada país enviasse com antecedência as suas metas para contribuir para evitar ultrapassarmos os 2C até 2050 foi muito boa. Em que pese o fato de que a ONU terá provavelmente o papel de fazer valer o acordo para todos, uma tarefa extremamente difícil, precisaremos olhar tudo isto com muito cuidado, pois as emissões para os próximos 45 anos já estão consolidadas se olharmos os planos de desenvolvimento de hoje. Só mudanças drásticas de planos mudarão alguma coisa.
Portanto, os planos de desenvolvimento terão que ser reformulados por todos os países para que o acordo seja integralmente cumprido. Isto tem condições de ser feito? Será que as próximas gestões irão respeitar o que os governos de hoje assinaram? As respostas para estas perguntas só se tornarão visíveis depois que o tempo passar. Mas é improvável que o acordo seja cumprido integralmente, pois os governos que estão no poder agora podem não estar mais nestas posições em pouco tempo.
No Brasil, o cumprimento das metas fará muito bem ao País. Saliento dois pontos: a eliminação do desmatamento e a produção de energia renovável, notadamente o bioetanol.
Eliminar o desmatamento nos ajudará na manutenção dos biomas e permitirá avançar em estratégias de preservação, conservação e uso sustentável da biodiversidade. Se levarmos a sério esta meta, abriremos caminho para uma nova economia, mais sustentável e mais justa. Ao mesmo tempo, o Brasil poderá aproveitar melhor as riquezas que a biodiversidade oferece, desde a manutenção do clima, até a saúde dos cidadãos e os benefícios das biotecnologias do futuro. Aquelas que irão ser aplicadas a partir de conhecimentos sobre organismos da fauna, flora e microbiota nativas.
Nas energias renováveis, o Brasil também se beneficiaria muito. Ao mesmo tempo em que ajuda a baixar as emissões por combustíveis fósseis, o Brasil se encontra na fronteira da ciência e da tecnologia dos biocombustíveis. Temos uma nova oportunidade de continuar a consolidação do nosso país como líder mundial neste setor, pois provavelmente todos os países que respeitarem o acordo estarão interessados na ciência e tecnologia que desenvolvemos aqui durante décadas.
A questão da mudança de hábito no Brasil é fundamental. O Brasil se tornou um país focado em energia fóssil a partir de 2010, relegando a segundo plano projetos como o de usar o etanol como principal combustível para o transporte. Será que depois de firmar o acordo da COP21, o Brasil mudará de direção? Isto significaria ir pelo caminho que todos consideram certo hoje, que é o caminho da energia renovável e do mínimo impacto ambiental.
O argumento que o dinheiro obtido com petróleo irá tirar pessoas da pobreza é falacioso, pois no longo prazo, serão justamente estas pessoas, os mais pobres, que serão os primeiros afetados pelas mudanças no clima geradas pela emissão do petróleo. Portanto, as estratégias de elevar o uso de renováveis e ao mesmo tempo reequilibrar as contas ambientais, serão aquelas que irão ter este papel. O Brasil tem a oportunidade de assumir um papel de liderança nestas duas áreas. E tem cacife para isto. Temos redes de cientistas de alto nível no Brasil trabalhando nestas áreas. O que precisamos agora é aplicar o que já desenvolvemos e dar vazão para que mais conhecimento seja adquirido.
É bem simples, se seguirmos com boas estratégias para realizar o que nós mesmos prometemos no acordo de Paris, já será algo extraordinário. Nosso país pode sim mostrar ao mundo que é sério e engajado nas questões de importância planetária. Basta ter consistência e persistência nas políticas públicas.
Esse artigo expressa apenas a
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